Como Assim, Você Não Estava no Ato, Marielle? Eu Juro que Te Vi Lá!
Ah, então não era você? Mas eu até ouvi a sua voz forte no microfone? Ah, era outra mina? E teu perfume? Eu nem sei que perfume você usa, mas eu pude sentir o seu cheiro toda hora, bem ali na Câmara dos Vereadores, onde você trabalha. Onde você representa o meu voto mais certeiro.
Eu te vi pela última vez umas duas semanas atrás, em um evento do PSOL. Queria te dar um abraço. Não sei se você sabe disso, mas te abraçar dá uma energia muito boa. Mas semana passada eu fiquei com vergonha. Acredita? Hoje eu sei que eu tinha que ter te abraçado no mínimo duas vezes, na entrada e na saída. Quem sabe no meio também, foi uma reunião cansativa.
Foi difícil de compreender que aquele ato ocorreu justamente porque você não estava lá. Eu nunca velei uma liderança política, não sabia bem o que sentir, ainda estou confuso. Você não é da minha família, mas adoraria te ver num almoço de domingo, lá na casa da minha avó. Não éramos nem amigos. Éramos colegas de partido. Provavelmente, você nem sabia o meu nome. Você era um exemplo a ser seguido e eu um militante que ainda precisa aprender muito e que estava aprendendo muito com você.
Veja só! Apenas agora que sentei pra escrever isso que começo a chorar a sua morte. A ficha caiu? Lá eu estava muito confuso. Ainda perguntando aos meus amigos “Eaí, tudo bem?”, desajeitadamente. Não tava nada bem. Pela primeira vez eu acendi uma vela para alguém e a coloquei bem ali na Câmara, onde você trabalhava. Mas não foi por ritual católico não, acho que foi para iluminar o seu rosto num cartaz. Assim como você iluminou o meu, em 2016. Sei lá, eu tava confuso.
Mas já que você não estava lá, deixa eu te contar o que eu vi. Eu vi muita gente chorando junta. Mas também vi muita gente sorrindo também. E muita gente sorrindo e chorando ao mesmo tempo. Sorrisos tão largos quanto o seu. Tinha muita gente preocupada com os olhos sérios, como os seus. Mas, prometo, eu não vi ninguém com medo. Muito pelo contrário.
Todas as suas lutas, sua garra, sua vontade incansável de, literalmente, lutar até o último dia. Tudo isso estava lá, por toda parte. Tinha muita mina negra lá inspirada em ti. Se antes você era uma líder, agora é uma lenda. E eu não estou dizendo isso para consolar quem ficou, mas para tentar consolar você, que foi.
Teve até um momento engraçado, em que uma senhora negra que tava confortando umas meninas também negras (e eu só estou especificando a cor delas porque você foi uma das pessoas que me ensinaram a ver cores e o que elas significam aqui no Brasil), ela dizia:
“Porra, meninas, parem de chorar! Vocês queriam o que? A mulher era foda, inteligente, preta, favelada, sapatão, mãe e ainda virou Vereadora. Vocês acham que os hômi iam deixar isso barato?”
Ela tava brincando, rindo. Talvez, ela estava tentando se consolar mais ainda do que às suas amigas. E, talvez, ela tenha dito a maior verdade do dia. A gente achou que eles iam deixar barato.
Mas sabe de uma coisa, Marielle? A gente não vai deixar barato também não. Tem muita gente começando a te ouvir só agora, a ouvir o povo negro e periférico, a ouvir as mulheres e es LGBTQs. A ouvir as pessoas que gritam enquanto um coturno pisa nas suas caras.
E, Marielle, fique calma, você deixou um puta de um legado. A gente tá se unindo também. A gente tá com mais vontade de lutar, de ir pra rua, de gritar. E fala pro Anderson que ele não será esquecido, de forma alguma, e que vão ajudar a família dele também. Não haverá nenhum minuto de silêncio pela morte de vocês. Haverá uma eternidade de barulho!
Tentando responder a sua pergunta inquietante:
“Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?”
Infelizmente, eu acho que muitas e muitos. Mas se te ajuda, nesse momento difícil no qual você deve estar passando, esse afastamento abrupto, acho que o seu assassinato agilizará o fim dessa guerra. Sou otimista, assim como você sempre me mostrou ser.
Por outro lado, eu sou egoísta também. Preferia que você continuasse aqui, viva, futura vice-Governadora do Rio de Janeiro. E, assim, eu poderia te dar todos os abraços que, por tola timidez, eu não te dei.
#MariellePresente
#AndersonPresente
Texto escrito por: Pedro Bedim